Leopoldina por Maria Rita Kehl

Trechos do artigo escrito por Maria Rita Kehl, intitulado “Leopoldina, ensaio para um perfil”, publicado no livro “D. Leopoldina – Cartas de uma Imperatriz”, da Editora Estação Liberdade:

“Para entender a transformação sofrida por Leopoldina no Brasil é preciso pensar na princesa não só como estrangeira mas como exilada. (…) Era como estar afastada de si mesma. Ela se esforçava para cumprir seu dever, como um modo de ainda conservar o que considerava o melhor de si. (…) Ainda ficava satisfeita em ocupar a posição infantil de menina obediente, ainda preferia alienar-se de sua própria condição para satisfazer o desejo de um outro, um outro do sexo masculino, tanto faz se o marido ou o pai, desde que estivesse em posição de autoridade diante dela, que lhe dissesse o que fazer, que aprovasse seu sacrifício.”

“Suas tentativas de se conformar com a infelicidade são comoventes. Fez o possível para acreditar no amor do marido, ao qual tentou corresponder cumprindo seus deveres. A maternidade também foi uma grande compensação e fonte de verdadeira alegria.”

“No ano de 1821 Leopoldina começou efetivamente a se transformar: de princesa a imperatriz, de austríaca a brasileira (o que teria lhe custado grande esforço e muitas renúncias), de esposa submissa a conselheira do imperador, de filha obediente a senhora de seus atos e de suas opiniões. (…) Era também muito mais conservadora, mas neste ponto podemos observar uma transformação interessante: à medida que se viu forçada a abandonar, com muito pesar, seu sonho persistente de voltar à Europa, à medida que percebeu que estava abandonada à própria sorte, (…) Leopoldina foi se declarando cada vez mais brasileira e, aos poucos, cada vez mais liberal.”

“Depois do Dia do Fico, Leopoldina viu-se verdadeiramente sozinha; seu destino estava por sua conta. Cabia a ela suprir o despreparo de Pedro, aconselhá-lo, escrever seus discursos, buscar aliados confiáveis.”

“Mas a paixão de D. Pedro por Domitila de Castro desmoralizou sua posição de esposa oficial. (…) A posição de esposa e o cargo de imperatriz não ofereciam mais nenhuma segurança a Leopoldina diante da paixão cega do marido e dos escândalos de Domitila. A humilhação tornou-se pública.”

“D. Pedro continuava dependendo de Leopoldina; ela o orientava politicamente, comunicava-se com representantes de países estrangeiros com mais desenvoltura, falava mais línguas e era mais culta do que ele. Mas Pedro vingava-se da superioridade da esposa desmoralizando-a como mulher. Leopoldina não era bonita nem sedutora; esteve grávida por nove vezes, teve três abortos, perdeu um filho pequeno. Aos vinte e poucos anos era uma mulher envelhecida, deprimida e pouco vaidosa.”

“A dor diante da partida da filha bem-amada com destino a um casamento arranjado de acordo com conveniências de duas cortes, repetição precoce de sua própria história, fez com que Leopoldina entendesse dramaticamente, dois meses antes de morrer, a sua própria condição. O esforço da primeira imperatriz do Brasil em tornar-se sujeito de sua própria vida e da história política de seu país de adoção não foi suficiente para apagar a condição a que ela estava destinada. Uma mulher de origem nobre nasce para servir de moeda de troca entre os poderosos.”

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s